A bandalheira, a desordem e a violação das normas constitucionais e legais continuam a ser a regra, não só na política, como no sistema judicial e judiciário angolano, numa clara demonstração de apenas ter mudado a vontade de nada mudar, na lógica do “showbiz”.
Por William Tonet
Quando a Constituição e as leis de um Estado, numa transição, qualquer que seja, não são respeitadas pelo novo Presidente da República, visto como a esperança da mudança, a sensação geral é de o quadro continuar no mesmo lamaçal da podridão partidocrata que vem amarfanhando, faz 42 anos, a independência de órgãos de soberania directa, como o poder legislativo e o judicial.
Uma aberração merecedora de impugnação constitucional foi protagonizada por João Lourenço ao indicar e nomear Manuel Aragão para Presidente do Tribunal Constitucional, quando ainda estava em funções no Tribunal Supremo, violando o n.º 4 do art.º 181.º CRA: “O Juiz Presidente do Tribunal Supremo e o Vice – Presidente cumprem a função por um mandato de sete anos, não renovável”.
Ora, se Manuel Aragão já havia sido acusado de indicação partidocrata, pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos (deveria ser, de facto, não de fachada, o Conselho Superior da Magistratura Judicial), aos 11 de Setembro de 2014, não sendo juiz de carreira, a presidente do Tribunal Supremo, não faz sentido, inexistindo razões fundadas e fundamentadas, que em 2017, o actual Presidente da República, João Lourenço, o nomeie para “saltar de baloiço” e exercer o cargo de Presidente do Tribunal Constitucional.
O caricato é Manuel Aragão ao não se ter reformado, nem jubilado, no Tribunal Supremo, emprestar fragilidade, no actual posto, uma vez não haver impedimento de regressar à anterior casa, onde ainda tem por cumprir cerca de quatro anos (2014-2017).
A desarticulação do sistema judicial indicia uma clara premeditação para o “dolo ideológico”, visando beneficiar, no futuro, exclusivamente, o partido no poder. Tanto assim é, que, também violando o regulamento da Provedoria de Justiça, o Presidente da República, João Lourenço, depois da ex-juíza conselheira do Tribunal Constitucional, Luzia Sebastião, ter declinado o convite, mandará às urtigas o regime de precedência e de carreira, ao preparar-se para dar posse ao membro do bureau político do MPLA, Ferreira Pinto, um jurista, mas não juiz de carreira, para exercer o cargo de provedor de Justiça.
E de violação em violação até à violação final, no Tribunal de Contas, assistir-se-á ao espezinhamento dos juízes de carreira, Gilberto Magalhães e Aniceto Aragão, na linha de sucessão, para mais uma vez o Presidente da República, João Lourenço, violar a Constituição, se não se coibir de dar posse ao jurista Manuel Gonçalves (que, como actual presidente da ENSA, vive um momento de tensão, com denúncias, ainda não provadas, dos trabalhadores), que também, não sendo juiz de carreira, participou no concurso, visando unicamente a presidência deste órgão, ante o mutismo da oposição.
Toda esta arrumação demonstra pouco importar ao regime no poder, o cumprimento da Constituição e das leis, uma vez ter João Lourenço uma “via expressa aos seus pés”, quiçá para o cometimento de todos os ilícitos… E um dos que está a gerar polémica é a provável indicação, certa ou errada, tudo incrimina, de Rui Ferreira, para presidente do Tribunal Supremo, face ao clima de tensão no seio dos juízes deste órgão, desagradados, não pelo nome em causa, mas pelo desrespeito pela Constituição e a lei.
No caso “sub judice”, por exemplo, não existem vagas para a entrada de cinco novos juízes, como se pretende e a concretizar-se, vai violar-se a Lei Orgânica, que prevê apenas 21 e não 24 juízes. Significa dizer ter sido aberto uma simulação de concurso, para juízes de carreira, logo não sendo juiz de carreira, do Tribunal Supremo, Rui Ferreira será, através da “engenharia partidocrata” alcandorado, mesmo em contramão, ao posto de Presidente do órgão.
Actualmente, não existem vagas para juízes de carreira, pese terem sido jubilados, José Alfredo e Silva Neto, nem de mérito, já preenchidos por Agostinho dos Santos e Efigénia Clemente. Mas em função do mau estar no seio da classe, alguns “engenheiros da fraude”, pretendem fazer um paralelismo, para alojar Rui Ferreira, com o instituto de Comissão de Serviço, existente na Função Pública, esquecendo-se não poder ser aplicado, aos Tribunais sendo estes órgãos de soberania, diferente daqueles.
Havendo vontade de violar tudo, não importam os meios, se delineados os fins… Na Procuradoria-Geral da República, como anunciamos em primeira-mão, a militarização vai continuar, com a indicação do general Pita Groz para substituir o também general João Maria Moreira de Sousa, estando bem cotado para assumir a Procuradoria das Forças Armadas, o general Adão Adriano.
Com estas acções e outras, no domínio da Justiça e Tribunais, o Presidente da República, tem vindo a subverter grosseiramente a norma constitucional, avocando um poder super-presidencialista atípico, como se de órgão de soberania directa, se tratasse. João Lourenço não foi nominalmente eleito, nem cumpriu o ritual adjectivo e substantivo elencado no art.º 114.º CRA, logo deveria ser impedido de continuar a interpretar dolosamente o art.º 105.º (Órgãos de Soberania) da Constituição: ”1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais”.
Em democracia, a soberania é o exercício directo do cidadão conferir, através do voto, mandato e poderes temporários a alguém para o representar. Não o sendo, no caso angolano, por incorporação como cabeça-de-lista de um partido político (art.º 109.º CRA), não pode, nem deveria, extrapolar competências, no desempenho de funções.
Mas a lógica do MPLA ser o Estado e o Estado o MPLA, não morreu com a mudança dos protagonistas: Dos Santos versus João Lourenço, sendo a promoção de influentes membros da CNE (Comissão Nacional Eleitoral), conotados com a fraude eleitoral, um exemplo acabado. Em 2012 com um desempenho criticado pela oposição, mas elogiado pelo candidato do MPLA, Edeltrudes Maurício Fernandes Gaspar da Costa salta da comissão eleitoral (como recompensa), para a chefia da Casa Civil do Presidente Eduardo dos Santos e, em 2017, Júlia Ferreira, porta-voz da CNE, que anunciou resultados não escrutinados em 15 das 18 províncias, beneficiando e favorecendo o MPLA e o seu candidato, é catapultada a juíza conselheira do Tribunal Constitucional, por indicação do Presidente João Lourenço.
Como se pode verificar, se no sistema judiciário e nos tribunais é este o regabofe, onde pode repousar a esperança dos autóctones, sedentos de mudança, num futuro melhor ou de se efectivar o slogan despesista do partido no poder de “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”?
Pelos vistos, para desgraça colectiva dos mais de 20 milhões de pobres, tudo vai continuar na mesma. Uma mudança capaz de uma verdadeira inversão do rumo de Angola, seria ou através de uma revolução externa, com a eleição da oposição ou baseada numa implosão interna, do partido no poder, mas o facto de haver, entre estes, poucos membros que tenham, não só mãos, mas dedos não manchados com o “crude da corrupção, torna tudo mais improvável. Daí ser digna de figurar no anedotário nacional, o pedido de repatriamento, voluntário de divisas, por parte dos dirigentes, exclusivamente, do MPLA, partido no poder, que delapidaram o Estado e os angolanos, no esquema de acumulação primitiva do capital, uma eventual devolução do dinheiro, sem existir uma verdadeira concertação entre todas as forças políticas internas, os bancos internacionais e os países onde se alojam estes milhões e milhões de dólares, roubados aos angolanos.
Mesmo não havendo tribunais, os prevaricadores deverão, fazer penitência, pedir perdão e os povos, antes despojados, em nome da pacificação e reconciliação, seguramente, poderão na sua elevada magnanimidade, mediante condições assumidas por todas as partes, conceder perdão, o contrário é para esquecer, pois a víbora não vira minhoca…